
Apesar de ter crescido nos anos 80, eu nunca tinha assistido o ícone da Sessão da Tarde, Top Gun – Ases Indomáveis (1986), de Tony Scott, até alguns dias atrás. Mesmo assim, quando vi a abertura de Top Gun – Maverick (2022), de Joseph Kosinski, encher a tela IMAX ao som de “Danger Zone”, foi impossível segurar um arrepio de emoção. A sequência do clássico da Sessão da Tarde, porém, é, além de um produto de nostalgia, um filme mais maduro que o original, não só melhor que este, mas que o melhora em retrospectiva.

Top Gun apresentou grande parte dos clichês dos filmes de ação dos anos 80, da rivalidade quase homoerótica, passando pela cena de amor em silhueta, à canção-tema chiclete. No entanto, icônico como for, ainda era um filme em que a direção e os momento memoráveis se sobressaíam ao roteiro. Top Gun - Maverick abraça o camp do filme anterior, recriando cenas do original, ao mesmo passo em que eleva completamente o material ao alternar fluentemente, em seu roteiro, entre a ação espetacular e o drama familiar, já que Maverick (Tom Cruise, mais jovem que nunca aos 59 anos) tem que lidar com o ressentimento de Rooster (Miles Teller), filho de Goose (Anthony Edwards), cuja morte o protagonista não esqueceu.

Ao contrário do primeiro, em que a missão só aparecia no clímax para coroar uma narrativa que era muito mais sobre disputa e amizade masculina, aqui ela se estabelece desde o início e serve de mote para que Tom Cruise nos prenda em seu magnético carisma, ao assumir o papel de mestre infalível e radical de uma nova turma de pilotos. Maverick já nos é apresentado como um tipo de super-herói no primeiro terço do filme, cujo comportamento rebelde e imprudente deveria tê-lo levado, senão à morte certa, a uma prisão militar. Mas a suspensão de descrença é imediatamente ativada quando o primeiro sorriso do astro aparece em tela, e o espectador dá uma piscadela e se convence inteiramente de que é natural que o Maverick escape sempre de suas encrencas, tanto na terra quanto no ar.

Do elenco novo, Ed Harris infelizmente aparece pouco, o que é compensado pela beleza quase etérea de Jennifer Connelly, cuja personagem não faz muito além do papel de par romântico obrigatório. Do elenco original, Val Kilmer volta a interpretar Iceman somente em uma cena, a mais pungente do filme. Miles Telles e John Hamm, por sua vez, se sobressaem ao servir de contraponto à audácia aventureira de Maverick. Já os novos cadetes são representados por um elenco muito diverso (há uma mulher, um latino, um negro e um geek), mas totalmente intercambiável. Todos merecem parabéns, contudo, porque Cruise exigiu que todas as cenas que envolvessem os caças fossem filmadas dentro das aeronaves em pleno voo, o que dá um realismo sem precedentes ao que o filme tem de melhor: as cenas de aviação e combate aéreo.

Filmadas com as câmeras de alta definição dentro das cabines de pilotagem, as sequências de ação se alternam, sempre com um som quadrifônico, entre planos abertos fora das aeronaves e planos médios e primeiros planos mostrando tanto o ponto de vista dos pilotos quanto seus rostos durante as manobras, o que, a partir da montagem segura, cria uma bem-vinda tensão e conexão provenientes do fato de que pessoas reais são muito mais empáticas para o espectador que bonecos de CGI e dublês à distância. Essa decisão artística resulta em um senso de realismo que contrasta com a grandiosidade e o espetáculo das sequências, causando uma euforia que um combate com fundo de tela verde dificilmente poderia proporcionar.

Evitando se envolver em polêmicas (a nação inimiga dessa vez não é mencionada, sendo que os russos no original era facilmente identificáveis), Top Gun – Maverick mantém seu patriotismo, personificando-o na figura apolínea do protagonista e de seus alunos, cujos corpos atléticos jogando futebol americano na praia contra a luz dourada do sol aponta para um ideal quase olímpico. O herói real, de fato, é Tom Cruise (ao lado do seu parceiro Christopher McQuarrie) que, com este filme e mais um Missão Impossível a estrear ainda este ano, está revolucionando o modo como os grandes arrasa-quarteirões de ação são feitos: um espetáculo de adrenalina - com alma, muito suor e uma dose absurda de perigo.
