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  • Lourenço Becco

X-Men: Fênix Negra | de Simon Kinberg


Em um dos momentos mais icônicos que os quadrinhos de super-heróis já produziram, Jean Grey, inebriada pelo poder de galáxias, diz àqueles que já considerou como sua família: “Escutem, X-Men! Não sou mais a mulher que vocês conheceram! Eu sou o fogo e a vida encarnados! Agora e para a sempre, eu sou a Fênix!”. É uma frase carregada de exagero bíblico, mas também de força, que atinge o leitor com a certeza de que aqueles personagens estão lidando com forças cósmicas “maiores do que a vida”. O contraste que ocorre entre essa magnitude e a familiaridade com os personagens criada por anos de convivência, já que X-Men é a franquia mais novela das 8:00 da Marvel Comics, gera uma emoção indelével. Essa é uma das razões pelas quais “A Saga da Fênix Negra”, de Chris Claremont e John Byrne, é, sem dúvida, a história mais importante do grupo de mutantes! Não é à toa, portanto, que a Fox Studios tenha tentado, mais de uma vez, replicar esse ímpeto nas telas, sendo a última delas em X-Men: Fênix Negra, de Simon Kinsberg, um filme que lamentavelmente tem mais de água do que de fogo: é insípido, inodoro e incolor.



A importância da franquia que a Fox desenvolveu com os X-Men ao longo de 19 anos para o estabelecimento dos filmes de super-heróis como maior gênero cinematográfico da atualidade é inquestionável. Iniciada cm sucesso em 2000, com o X-Men de Bryan Singer, após o ápice no sensacional X-Men 2 (2003), a franquia teve seu ponto mais faco em 2006 justamente na primeira tentativa de adaptar "A Saga da Fênix Negra" em X-Men: O Confronto Final. A série, então, depois do pavoroso X-Men Origins: Wolverine (2009), sofreu um meio reboot, com um elenco totalmente novo, em X-Men Primeira Classe (2011). Foi uma jogada arriscada, mas recompensadora, já que os filmes ganharam em vigor com a adição de James McAvoy e Michael Fassbender nos papéis de Xavier e Magneto e dos uniformes mais coloridos em vez dos de couro negro. O reboot foi definitivo com a volta de Bryan Singer na direção em X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (2014), que, apesar do que muitos pensam, não tem obrigação nenhuma de ser fiel aos acontecimentos da primeira trilogia, descortinando um leque de possibilidades, como a de explorar novos vilões. Com a frustrante recepção de X-Men: Apocapilpse (2016), Singer saiu e a Fox, nomeadamente o roteirista e produtor Simon Kinberg, optou por recontar a história da Fênix Negra: sua última chance já que o Marvel Studios readquiriu recentemente os direitos sobre seus personagens mutantes.



Kinberg não era estranho nem aos filmes de super-herói nem à franquia X, pois já tinha escrito o roteiro de três filmes dos mutantes além de ter perpetrado o medonho Quarteto Fantástico (2015). Após o sucesso da abordagem mais pé no chão de Logan (2017), optou-se por uma direção menos espalhafatosa e por uma trama mais contida, o que se provou um erro. No início, o roteiro tenta referenciar o original com uma narração em off da protagonista, Jean Grey, se perguntando obviedades como "Quem somos nós" ou a diferença entre aceitar o destino e evoluir. O fato é que tanto a narração quanto as questões que ela tenta levantar são abandonadas, mas a falta de originalidade não, em frases como "Você tem um dom", "Você não está quebrada" no já obrigatório flashback traumatizante da infância do herói. A partir do momento em que Jean Grey é "possuída" pela Força Fênix (ignorando o fato de que, no filme anterior, escrito pelo próprio Kinberg, ela já havia se manifestado), o roteiro busca construir um drama familiar ("Quando eu perco o controle, coisas ruins acontecem àqueles que amo") e uma temática feminista ("Deveríamos nos chamar X-Women!"), mas enquanto esta é logo esquecida, aquele não tem peso emocional o suficiente para sustentar o longa nem manter o interesse do espectador.



O fato é que, apesar de a nova equipe já ter aparecido em Apocalipse, o relacionamento entre eles foi pouco trabalhado. Sabe-se que Jean e Scott são apaixonados por causa da primeira trilogia e por que eles o dizem, mas não se vê química ou sinceridade. Também há uma tentativa de aprofundar o conflito, dando nuances mais sombrias ao Professor Xavier. Embora seja algo comum nos quadrinhos, aqui resvala muito para a descaracterização, com um mentor vaidoso (que tem um X-Fone ligado diretamente à Casa Branca!, como o Bat-Fone da série do Batman dos anos 60!), desinteressado pela segurança de seus alunos e meio sórdido ("Estava tentando protegê-la da verdade!"). Falando em descaracterização, Jennifer Lawrence continua interpretando uma Mística que insiste em esconder sua pele azul (Mutant and Ashamed!) e lidera (!) os X-Men sem nenhuma energia. Aliás, boa parte do elenco parece que não está nem tentando, mesmo os veteranos McAvoy e Fassbender. O destaque nesse quesito vai para Jessica Chastain, uma atriz geralmente ótima, que aqui, porém, aparece monocórdica e sonolenta, tão desinteressante quanto a horda de alienígenas genéricos que a acompanha. Sophie Turner, por sua vez, realmente se empenha para externar o drama de sua personagem; é uma pena que o roteiro frouxo não contribui. Já personagens importantes das HQs, como Ciclope (Ty Sheridan) e Tempestade (Alexandra Shipp), são relegados a segundo plano.


A falta de empolgação talvez se também deva ao ritmo lento do filme já que quase todas as viradas do roteiro são previsíveis. A trama vai do ponto A ao B com pouca repercussão (oh, meu poder cósmico derruba árvores e helicópteros) ou mudanças aleatórias de comportamento dos personagens (como acontece com o Fera de Nicholas Hoult). Além disso, ao fazer com que os X-Men sejam adorados pela população, o roteiro nega a própria premissa da série, em que eles são temidos e odiados por aqueles que juraram proteger, subtraindo mais um elemento de tensão. Não que o filme seja isento de bons momentos, como uma colisão de carros no primeiro ato, mas Kinberg, em sua estreia na direção, insiste em primeiro planos enfadonhos (como pode ser visto nas imagens) e, quando quer passar algum traço de tensão, apreensão ou angústia, ele muda pra closes fechadíssimos ou planos aéreos ou os dois. No que era pra ser o momento mais dramático do filme (devidamente estragado nos trailers), o diretor escolhe fazer um plano-detalhe aéreo e desfocado! Há ainda uma cena entre Magneto e um militar que me fez rir ao ver aquele diálogo todo filmado em primeiríssimo plano na tela do IMAX! Outras decisões são tão tediosas que dão até preguiça, como colocar o tempo nublado e chuvoso em um momento de luto. Já em termos de produção de arte, este é o mais franciscano dos filmes dos X-Men, o design de produção da Ilha Genosha, por exemplo é risível. Para adornar o conjunto, temos uma trilha sonora insistente e pouco apreciável do Hanz Zimmer, que não deveria ter voltado atrás em sua decisão de parar com os filmes de super-heróis.

Não conseguindo empolgar nem em suas grandiosas, mas pouco inspiradas, cenas de ação, X-Men: Fênix Negra é a segunda tentativa frustrada da Fox de adaptar esse clássico. É lamentável que um filme de menos de duas horas de duração, cheio de potencial para aventura e drama de primeira qualidade, nunca consiga passar do morno nem empolgar com seu ritmo deficiente. Um retrocesso em termos do gênero que a franquia ajudou a estabelecer, já que parece se envergonhar de ser um filme de super-heróis (os uniformes coloridos do fim de Apocalipse não são vistos uma única vez e os heróis, com exceção do primeiro ato, estão sempre em roupas civis!) Em menos de 10 páginas, Claremont e Byrne já nos teriam levado literalmente à lua com dezenas de seres fantásticos e coloridos. Mais ou menos, como a Marvel fez com Vingadores: Ultimato. No entanto, o aspecto mais decepcionante é certamente a falta de um fechamento digno (aquele "closure" que os americanos tanto falam) e o desrespeito a personagens tão icônicos. O consolo é passar a ver Logan como o final definitivo da franquia e torcer para que, na sua casa original, os mutantes mais famosos dos quadrinhos possam renascer com o som e a fúria que lhe são característicos. 

Cotação: ★★

PS: Arte da segunda imagem por John Byrne e Terry Austin.

PS 2: Não há cena pós-créditos. Felizmente.

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