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  • Lourenço Becco

Homem-Formiga e a Vespa | de Peyton Reed


É curioso perceber como os filmes do Homem-Formiga, embora (ou talvez por causa de) serem filmes menores do Marvel Studios (difícil resistir aos trocadilhos), são lançados após suas mais grandiosas apostas, ou seja, os filmes dos Vingadores. O primeiro estreou após Vingadores: Era de Ultron (2015) e este Homem-Formiga e a Vespa (2018) segue o sucesso estrondoso de Vingadores: Guerra Infinita (2018). A estratégia é clara: após um filme monumental, oferecer um mais leve e descompromissado. No entanto, desta vez, a sequência recebe um público que veio de um final desesperançoso e, até mesmo, deprimente. Então, mesmo mantendo um clima de filme da sessão da tarde, o estúdio não repetiu a fórmula do filme de assalto de Homem-Formiga (2015), mas optou por uma aventura familiar, em que a narrativa é movida por relações entre pais e filhos (como uma versão de Os Incríveis (2004), que, por sua vez, é uma releitura dos quadrinhos do Quarteto Fantástico, da Marvel Comics, o que fecha o círculo.


O enredo do filme lida com dois núcleos familiares distintos, mas correlacionados: de um lado, temos Scott Lang (Paul Rudd) que, após os eventos de Capitão América: Guerra Civil (2016), encontra-se em prisão domiciliar (com tornozeleira e tudo) e impedido, portanto, de sair com a própria filha, Cassie. Do outro, Hank Pym (Michael Douglas) e Hope Van Dyne (Evangeline Lilly, a Kate de LOST) procuram um modo de resgatar Janet Van Dyne (Michelle Pfeiffer, glamorosa), a vespa original, de seu exílio forçado no Reino Quântico. A relação e cumplicidade entre pai e filha são ressaltadas em ambas as famílias: em uma divertida cena, Scott constrói uma atração de parque temático para entreter Cassie enquanto o Dr. Pym desenvolve o traje de sua filha com asas, ferrões e outras funções ausentes do traje de Homem-Formiga, deixando claro o seu prediletismo. As dinâmicas familiares são críveis e importantes para manter o engajamento emocional, em grande parte graças ao bom entrosamento dos 4 atores, que trazem este vínculo do primeiro filme. Há uma outra relação entre pai e filha envolvendo um(a) dos(as) antagonistas, mas, infelizmente carece de peso no resultado final.


Como pode-se inferir, então, um dos destaques do filme é o competente elenco: Paul Rudd tem muito carisma, um formidável timing cômico (a sequência de Scott Lang "Home Alone" são ótimas) e consegue convencer tanto nas cenas emocionais quanto nas grandiosas, ou minúsculas, cenas de ação, e Evangelily Lilly agarra com muito arrojo sua chance de ser a primeira protagonista feminina do Universo Cinematográfico da Marvel, combinando beleza, ousadia e senso de humor. Quanto aos atores mais experientes, é uma deleite vê-los em cena: o Dr. Pym de Michael Douglas está cada vez mais ambíguo e rabugento, ganhando mais tempo de tela e a oportunidade de usar um uniforme; já o único defeito de Michelle Pfeiffer é o pouco tempo de tela que sua personagem tem, deixando o público carente de sua presença magnética, que traz sensibilidade dramática às cenas em que contracena com Douglas e Lilly. Já que as cenas de flashback, com os atores rejuvenescidos por computação gráfica, alcançaram um patamar muito avançado, não seria absurdo torcer por um filme prequel que mostrasse as aventuras do Homem-Formiga e da Vespa originais em plena Guerra Fria.


Destacam-se, ainda, as cenas de ação por que a habilidade do casal de heróis de mudar de estatura viabiliza uma mudança súbita na misancene, em que o cenário (e a percepção do espectador) tem que se ajustar a uma compreensão nova do espaço a partir de um ponto de vista muito reduzido ou aumentado, o que é sempre divertido pelo humor que permeia essas situações. Um ótimo exemplo é uma sequência que se passa em uma cozinha, em que saleiros e facas são utilizados de maneira bem pouco ortodoxa. Objetos e animais em perspectivas inusitadas são recorrentes na narrativa, com pombos e mariposas surgindo como grandes ameaças e carrinhos de Hot-Wheels protagonizando vertiginosas cenas de perseguição pelas ruas de San Francisco, em outro acerto da produção, já que este é um dos únicos filmes da Marvel que faz extensivo uso de locações e parece ter sido filmado em uma cidade, não em um estúdio. A inovação em relação ao primeiro filme fica por conta do Homem-Formiga agigantado, que, capaz de utilizar caminhões como carrinho de rolimã, parece causar mais dano do que proteção. Infelizmente, tudo isso é filmado com aquela fotografia meio cor de concreto dos filmes da Marvel (exceção para Guardiões da Galáxia - Volume 2 (2017) e Thor: Ragnarok, (2017) que fazem bom uso de CORES).


No entanto, as inovações não se estendem ao roteiro, que, longe de ter a inventividade do Edgar Wright (que deixou o primeiro filme por não se subordinar aos (de)mandos do Marvel Studios), precisou de 5 roteiristas (inclusive Paul Rudd) pra ser finalizado. Então, para chegar às cenas legais, o espectador tem que aturar alguns clichês, como se livrar de algemas com grampo de cabelo, e diálogos expositivos que não levam a muito, pois as leis da física são esmagadas pela supressão de descrença exigida pela história. O resultado é uma narrativa um tanto inchada, valendo-se da disputa por um McGuffin para progredir. Aliás, o filme conta com uma vilã, a Fantasma, que tem um visual instigante e fiel aos quadrinhos, mas que não é bem desenvolvida nem se mostra interessante como ameaça, sendo a segunda vilã insípida de Hannah John-Kamen após Jogador Número Um (2018). Mas, bem pior do que ela é o gangster vivido por Walton Goggins, que não tem função na narrativa, sendo um peso no ritmo do longa, ao ponto de um personagem dizer a seu respeito: "Esse cara de novo?", refletindo o pensamento do espectador. Sua eliminação, além de melhorar o andamento da história, ainda garantiria mais tempo para personagens mais relevantes e menos desenvolvidos, como a Janet Van Dyne de Michelle Pfeiffer.


Homem-Formiga e A Vespa se estabelece como o típico filme do Marvel Studios: segue a batida do anterior, aumenta o escopo com a adição de novos personagens (ou uma nova e forte protagonista), planta pistas para novas fases (como a filha de Scott, que se torna, nos quadrinhos, a heroína Estatura), repete algumas piadas bem-sucedidas (como a narração jocosa do Luis de Michael Peña), retoma conceitos de outros filmes (o reino quântico, que se assemelha demais às dimensões espirituais vistas em Doutor Estranho, de 2016) e coloca os nerds em polvorosa com uma cena pós sequência de crédito final (muito inventiva, feita com miniaturas de plástico) que levanta as inevitáveis especulações e teorias de fã sobre o futuro do Universo Marvel. O diretor Peyton Reed apresenta uma aventura que, se não é memorável nem isenta de falhas, diverte por seu casal de protagonistas cativantes e situações absurdas, que não tem embaraço de ser um filme-família, em mais de um sentido.

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