
As pessoas parecem não enjoar de dinossauros na tela grande, e Hollywood bem sabe disso. Seguindo o sucesso estrondoso de seu predecessor (que bateu a marca do bilhão em bilheteria), Jurassic World – Reino Ameaçado (2018) é o quinto filme da franquia que se iniciou há 25 anos, com o já clássico e imbatível Jurassic Park - Parque dos Dinossauros (1993), de Steven Spielberg. O fascínio do filme original, aliás, vem - além de um elenco, direção e roteiro impecáveis - de dois fatores: o maravilhamento de se ver as criaturas pré-históricas pela primeira vez e o horror de ser a presa delas no momento seguinte. Já que nunca vai ser possível replicar o espanto que o primeiro filme proporcionou, o diretor J.A. Bayona, opta por enfatizar o elemento do horror como não se tinha feito antes na franquia. A propósito, o longa, em suas duas metades, flerta com o filme-desastre e o de casa mal-assombrada, subgêneros que o diretor espanhol já havia desenvolvido em O Impossível (2012) e O Orfanato (2007) respectivamente.
A trama se inicia 3 anos depois dos eventos do primeiro filme (ou quarto, dependendo de como você encare), com uma sequência de abertura que introduz o principal tema do filme de forma bastante sintética: a ganância humana mesmo em face do horror do abissal. Neste contexto, um muro submarino ao redor da ilha é atravessado como símbolo, mais uma vez, de um limite, uma caixa de Pandora que não deveria ser aberta. A partir de então, o roteiro utiliza uma temática ecológica um tanto batida, mas que serve tanto para unir os dois protagonistas do filme anterior quanto para levantar uma questão interessante sobre o direito que animais pré-históricos, ou "desextintos", têm ou não à preservação, já que a vida natural da Ilha Nublar se encontra ameaçada por um vulcão prestes a entrar em erupção, como um "ato de Deus" para corrigir a húbris humana de tê-los recriado.
Forma-se, então, uma equipe de resgate das criaturas liderada pela antiga diretora do parque, Claire (Bryce Dallas-Howard, preenchendo a tela), que leva consigo o treinador de velociraptores, Owen Grady (Chris Pratt). Enquanto a personagem de Dallas-Howard parece ter evoluído um pouco desde o último filme, utilizando sua expertise como líder para a preservação dos animais que antes explorava, o de Pratt parece exatamente o mesmo, com um pouco mais de humor, mas não tão escrachado quanto o Senhor das Estrelas. Para que uma cena de perigo iminente funcione, é preciso que a plateia se importe com os personagens ameaçados, e o casal são os únicos que se enquadram nessa categoria, já que, lamentavelmente, todos os outros personagens humanos são completamente unidimensionais, esquecíveis e, a bem da verdade, chatos. A equipe que vai para a ilha, por exemplo, é formada por uma palioveterinária (Daniella Pineda, carismática, a despeito de ser sabotada pelo roteiro), um caçador/explorador sádico (Ted Levine, desperdiçado) e um nerd especialista em computadores (Justice Smith), que só sabe gritar histericamente e ser irritante.
Já que os personagens humanos (muito ao contrário do clássico de 1993) não são expressivos, pelo menos os dinossauros não decepcionam, em grande parte por que Bayona optou por utilizar tanto versões em CGI quanto animatrônicos ultradetalhados, com destaque para a T-Rex símbolo da franquia e a velociraptor Blue, construída de corpo inteiro, pois tem grande relevância e identidade na trama. A tangibilidade dos dinossauros é essencial, portanto, para o desenvolvimento da primeira metade do filme, em que eles lutam pela sobrevivência. Há, inclusive, uma das cenas mais tocantes de toda a franquia, que mostra um momento desolador de um branquiossauro no limite da ilha. Este investimento emocional é, porém, sabotado pelas situações de risco em que os humanos se veem, que testam a nossa suspensão de descrença de que pessoas sem super-poderes sairiam ilesas dali. O escopo grande, envolvendo manadas de dinossauros e erupções bíblicas, é construído com maestria pelos colaboradores habituais do diretor, o fotógrafo Oscar Faura e o editor Bernat Vilaplana, que aumentam o senso de urgência com o contraste entre a escuridão das fumaças e o calor da lava vulcânica, além da eficiente trilha de Michael Giacchino
Na construção do filme, Bayona não deixa de referenciar momentos clássicos da série, recriando cenas icônicas do original, como a da apresentação do braquiassauro e a perseguição dos velociraptores na cozinha, chegando a abusar do recurso do dinossauro que chega no último instante para salvar o dia. Mesmo assim, em sua segunda metade, o diretor toma um caminho condizente com a atmosfera de pânico do primeiro filme, mas, ao mesmo tempo, completamente diferente de tudo o que já havia sido feito: o filme se torna um misto de mansão assombrada com slasher. Em uma falsa mansão vitoriana, onde ocorre um leilão de dinossauros para bilionários inescrupulosos (todos muito caricaturais, com destaque negativo para o personagem de Toby Jones), mais um dinossauro híbrido é apresentado, o Indoraptor. Quando a criatura, inteligente e mortal, escapa (humanos idiotas...), o filme muda de tom e o horror se instala de forma muito eficiente. Utilizando um jogo de sombras e (poucas) luzes, além de reflexos, Bayona potencializa a ameaça de seu vilão e cria uma atmosfera de apreensão constante que tem seu auge em uma cena típica de filmes de horror, em que o monstro de garras enormes aterroriza uma criança inocente em seu quarto. Nada menos que uma bela reatualização do mito.
Optando por uma direção de trama audaciosa, mas arriscada, em sua conclusão, Jurassic World - Reino Ameaçado é superior ao seu antecessor, por saber dosar os elementos nostálgicos e fazer um híbrido de gêneros que funciona em sua excentricidade ao lembrar que, como dizia, o doutor Malcolm, as exclamações de deslumbramento sempre são sobrepostas pelos gritos de horror quando se trata de dinossauros. O terceiro capítulo desta nova trilogia abre, desse modo, possibilidades inéditas em termos de desenvolvimento de história, novas tonalidades e discussões relevantes, bastando para isso que a narrativa também se preocupe em desenvolver seus personagens humanos para que eles não se apresentem tão descartáveis quanto um grupo de adolescentes em um filme de terror, por mais interessantes que os monstros sejam.