
Em certo momento de Círculo de Fogo – A Revolta, uma personagem diz: “Maior nem sempre significa pior”. A sequência do filme de 2013, Círculo de Fogo, do diretor ganhador do Oscar, Guillermo deo Toro, se esforça em tudo pra ser maior que o anterior: Gipsy Danger (rebatizado de Gipsy Avenger) tem dois rotores em seu peito, empunha duas espadas e o Jaeger final tem o dobro do tamanho. Infelizmente, ao filme falta desenvolvimento de personagens, uma história coerente, um ritmo empolgante e um pouco de alma. O longa se mostra claramente como um produto de estúdio, pensado em todos os detalhes para impulsionar uma franquia e concorrer com seus primos mais ricos, os Transformers. Neste caso, portanto, maior significa pior, sim.
A projeção se inicia com uma recapitulação do que aconteceu no primeiro filme a fim de situar o espectador, para então apresentar seu protagonista, Jake Pentecost, vivido por Boyega, e o contexto mundial 10 anos depois da batalha final contra os invasores de outra dimensão. Após o “cancelamento do apocalipse”, como diz Stacker Pentecost (Idris Elba), pai do herói desta aventura, o mundo se reconstruiu, mas ainda há fragmentos do que aconteceu, como ferros-velhos de robôs gigantes, os Jaegers, e carcaças monumentais de monstros, os Kaiju. É uma pena, então, que toda essa construção de mundo fique relegada a pano de fundo sem ter um papel construtivo na trama além do primeiro ato. Em um desses depósitos de peças usadas, Jake encontra a menina Amara Namani (Cailee Spaeny, ótima), a construtora de um pequeno e simpático Jaeger chamado de Scrapper (o melhor do filme), que é apresentada com o clichê do oponente menor usando capuz, só para, logo em seguida, representar o papel (também clichê) de novata que vai ser os olhos do espectador.
Apesar de Boyega e Spaeny (um verdadeiro achado a garota) serem os mais carismáticos e competentes do elenco, isso pouco adiciona ao filme, já que o roteiro do também diretor Steven S. DeKnight perde completamente o foco quando eles chegam à base militar. Veterano na produção de séries para o público jovem, como Buffy e Smallville, DeKnight cria um grupo de jovens cadetes representativos com orientais, uma latina e uma russa, que, apesar da intenção nobre, não passam de estereótipos, com destaque para a versão feminina de Ivan Drago vivida pela ucraniana Ivanna Sakhno (ela mesma uma versão adolescente da Scarlett Johansson). Outra atriz desperdiçada pelo roteiro é Rinko Kikuchi, heroína do filme anterior, que aqui é relegada ao papel de burocrata, cuja ação mais emocionante é tentar mandar uma mensagem secreta por iPad. Para completar o time, temos Scott Eastwood, que herdou a beleza do pai, mas pouco do seu talento para interpretação, estabelecendo uma dinâmica à la Top Gun com o personagem de Boyega, e Adria Arjona, servindo exclusivamente como prêmio na disputa entre os dois pilotos, em plena era do empoderamento feminino no cinema!
O roteiro, aliás, é saturado de frases-feitas como: "Não deixe que o que os outros pensem de você determine quem você é" ou "Essa é a nossa chance de fazer a diferença!", boa parte delas no discurso pouco empolgante e militarista de Jake ao cadetes, tentando inspirá-los para a luta como seu pai fizera. Falando em lutas, é incompreensível como, em um filme em que elas deveriam ser a atração principal, tanto tempo é perdido com o estabelecimento de linhas narrativas e personagens que não vão a lugar algum, pensando talvez em uma continuação. A impressão é a de um roteiro de piloto de série (talvez um resquício do trabalho anterior de DeKnight) que deixa ganchos para uma temporada. O primeiro kaiju (sem contar os flashbacks) só aparece com mais de uma hora de projeção! Além disso, há um mistério sem graça sobre um(a) possível traidor(a), que introduz uma das figuras vilanescas mais ridículas da última década. Completamente desnecessário por que, como todo mundo sabe, o filme tem monstros gigantes que lutam com robôs colossais, e isso deveria bastar!
Há um certo grau de coesão visual por parte do diretor, já que constantemente utiliza o padrão de cores binário azul e laranja (aquele de todos os pôsteres), além de seguir a Escola JJ Abrams de Abuso de Flares em muitas cenas. Ao menos, ele não usa a famigerada câmera tremida e não corta as cenas de luta a cada dois segundos, sendo possível estabelecer a misancene das lutas e compreendê-las. Já a fotografia de Dan Mindel parece sempre lavada e insípida se comparada ao trabalho que Guillermo Navarro fez no original. Mesmo nas cenas noturnas do primeiro, havia um exagero quase cartunesco de neon que dava energia às cenas. Aqui, mesmo com as cenas diurnas, é tudo muito desinteressante. Já que entramos no terreno das comparações (e elas são inevitáveis), os robôs de deo Toro tinham peso, volume e gravidade. Era possível ver cada parafuso e sentir cada esforço de movimento. As lutas da sequência não chegam ao patamar (ou seria subsolo) das dirigidas por Michael Bay, mas os robôs se mexem de forma mais ágil e, por isso mesmo, inverosímil em relação à sua escala.
Circulo de Fogo - A Revolta não ofende a inteligência como todos os Transformers e pode ser até uma diversão ligeira com bons atores e algumas cenas de ação divertidas, por que, afinal, monstros contra robôs gigantes é a coisa mais cool do universo. No entanto, não só a sequência desbota (literalmente) se comparada ao espetáculo saturado de cores do original, mas, também, como os prédios de Tóquio no meio do combate, desaba sob o peso de uma história muito abarrotada, que não tem nenhum valor emocional nem sabe se divertir com a tolice de sua infantil premissa.