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  • Lourenço Becco

Pequena Grande Vida | de Alexander Payne




Quando eu era criança, meu livro predileto era "A Chave do Tamanho", de Monteiro Lobato. Nele, Emília, inadvertidamente, diminui a estatura de todas as pessoas ao redor do globo de uma só vez, ocasionando várias mortes (em um livro infantil!), mas também o surgimento de uma sociedade utópica, sem guerras ou criminalidade, em que tudo na natureza era compartilhado. Em "Pequena Grande Vida", o diretor Alexander Payne, tem um ponto de partida semelhante, mas que leva em conta alguns problemas do do nosso convívio social, como o consumismo, a imigração e a exploração da força de trabalho.


A premissa é simples: um casal (Matt Damon e Kristen Wiig), procurando recomeçar suas vidas, decidem passar pelo revolucionário e polêmico processo de miniaturização que está dividindo a opinião do país. A partir daí, Payne (que também escreve) e o roteirista Jim Taylor poderiam optar por vários caminhos, mas parecem encantados demais com a sua ideia inicial para passar finalmente a desenvolvê-la. Quando decidem fazê-lo, a impressão é a de que escolheram abordar vários temas de importância social sem se aprofundar em nenhum, perdendo, no processo, a leveza do filme e jogando a coesão temática pela janela.


Este encantamento do diretor pelo próprio argumento é visível em todo o inflado primeiro ato do longa. Como uma mãe que lambe a cria, Payne mostra a descoberta do processo de miniaturização, seu anúncio bombástico, suas repercussões polêmicas em uma sociedade capitalista e, depois que o protagonista finalmente toma a decisão de se apequenar, todos os detalhes do processo de forma minuciosa. Em meio a isso, é apresentado o personagem de Matt Damon, sua relação com a mãe (que nunca mais é citada) e, após uma passagem de tempo, com a mulher. Mas é muito pouco para nos importarmos. Em nenhum momento, os personagens mostram algum aprofundamento e, se não fosse pelo carisma enorme de Damon, o filme desmoronaria logo ali em termos de identificação com a plateia.


Quando finalmente o protagonista passa pelo processo e se muda para Lazerlândia, uma cidade-resort para os diminuídos, ainda se gasta um tempo enorme mostrando a adaptação a sua nova rotina. Parece mais um apêndice do primeiro ato ou ato 1.1. É clara a crítica ao estilo de vida fútil dos megamilionários, representados no personagem de Udo Kier (a cara do Temer) e um pouco menos no do Christoph Waltz, por ser muito simpático e extrovertido. Conflito mesmo, que é bom, muito pouco. Como se não bastasse, o roteiro insiste em usar trocadilhos e expressões referentes a tamanho, como quando um personagem diz: “That was short!” (traduzido como “Isso foi baixaria!”). O que merece destaque nesta primeira metade da projeção são os efeitos visuais e o design de produção, que vai do asséptico ao luxuoso com igual competência.



O filme só ganha fôlego quando a personagem da Hong Chau aparece na trama, já com mais de uma hora de projeção. A atriz é uma revelação, e o filme todo se beneficia de sua presença. Sua personagem confere à trama o conflito que lhe faltava, com humor, sensibilidade e calor humano. Há uma cena em particular em que sua atuação emociona profundamente, o que lhe garantiu a indicação ao prêmio de Melhor Atriz Coadjucante no Globo de Ouro (e deveria ter assegurado também sua vaga no Oscar, no lugar da Octavia Spencer).


A partir daí, "Pequena Grande Vida" aborda a situação dos imigrantes (que vivem em blocos de apartamentos que, não à toa, parecem caixas de sapatos) e dos trabalhadores explorados e abusados. Tudo isso, no entanto, não é o suficiente, pois, após se estender demais em seu início, o filme termina com a apresentação de um dilema artificial e tolo, que é resolvido, literalmente, por que o protagonista estava com preguiça. Assista e me diga se não foi esse o motivo. Em suma, "Pequena Grande Vida" tem boas intenções e um ótimo elenco, mas funcionaria melhor se fosse um curta.

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