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  • Lourenço Becco

Todo o Dinheiro do Mundo | de Ridley Scott



O plano inicial de "Todo o Dinheiro do Mundo", que fotografa uma rua boêmia de Roma em preto e branco, é a recriação do clássico de Fellini, "La Dolce Vita". Esta falsa aparência de prazer displicente some quando o amarelo encardido e as sombras da zona de prostituição enchem o quadro. É neste ambiente que ocorre, em seguida, o sequestro do jovem John Paul Getty III (Charlie Plummer), nome que herdou, e nada mais, de seu avô, “o homem mais rico na história da humanidade”, como nos revela em uma narração (logo abandonada pelo roteiro). Sua mãe, Gail Harris (Michelle Williams), ex-nora do bilionário J. Paul Getty (Christopher Plummer), não tem o dinheiro, que o avô do garoto se recusa a dar, para pagar o resgate.


Neste seu segundo longa de 2017 (após o mal recebido "Alien Covenant"), Ridley Scott faz uma parábola sobre a ganância humana ao mesmo tempo em que constrói um thriller eficiente baseado em um fato que estarreceu a opinião pública. Bem, ele se sai melhor na primeira tarefa do que na segunda, e não completamente por mérito seu, já que as circunstâncias (ou seria o destino?) colocaram em frente a sua lente um ator da estatura de Christopher Plummer, que, chamado às pressas para substituir Kevin Spacey, em 10 dias compôs uma atuação que lhe rendeu uma indicação ao Oscar. Merecidamente.


Pioneiro na exploração de petróleo no Oriente Médio, Getty era um bilionário que não se furtava da tarefa de lavar as próprias meias e cuecas quando estava hospedado para economizar alguns centavos, além de ter mandado instalar em sua mansão um telefone público para as visitas. Seria cômodo, e até natural, interpretar esta figura de forma unidimensional, como um Tio Patinhas de carne e osso. Não para Mr. Plummer. O espectador chega a achar até bem lógica e concordar com a explicação dele de que não pagará o resgate, pois isso transformaria seus outros 13 netos em reféns potenciais. Mesmo quando pratica atos odiáveis, o personagem nunca deixa de ser fascinante, pois Plummer o dota de detalhes que revelam sua humanidade, como o modo obsessivo e frágil de insistentemente conferir as cotações diárias em uma tira de papel. Isso sem falar da voz e da presença majestosa daquele rosto, bem mais eficiente que quilos de maquiagem. O filme se ressente quando ele não está em cena e, quando está, sua presença fala por si.



Outra atuação marcante é a de Michelle Williams, um caso interessante em Hollywood. Já indicada quatro vezes ao Oscar (a primeira há 12 anos, a última no ano passado), Williams é uma atriz de qualidades superlativas, que superam as de algumas outras já oscarizadas. De uma mãe de família desprezada em "O Segredo de Brokeback Mountain" à Norma Jean de "Sete Dias com Marilyn", não há papel que a intimide e nem repetição ou saídas fáceis em sua atuação. O que há é uma dedicação que sempre emociona, mas nunca esbarra no overacting. Aqui ela interpreta uma mãe que, mais do que ser forte, tem que parecer forte a fim de enfrentar um império, sem, no entanto, deixar de transmitir a angústia de sua situação aflitiva até no modo como atende ao telefone. É um equilíbrio difícil, que só uma grande atriz como Williams alcança. Um dia a academia vai perceber isso, talvez quando ela for mais popular com o público em geral.


Os elogios de atuação, no entanto, acabam quando se trata de Mark Wahlberg. Fazendo um ex-espião cheio de recursos e artimanhas, nada do que ele diz parece soar verdadeiro ou condizente com a sua figura. Falta um porte que confirme o que é dito nos diálogos. Talvez um ator mais velho, talvez um ator melhor. Outro agravante é o fato de que seu personagem é totalmente dispensável na trama, só está ali para assegurar uma figura masculina ao lado de Michelle Williams. Já Romais Duris, por outro lado, no papel do sequestrador Cinquanta, emociona por sua preocupação genuína pelo jovem Paul, numa inversão interessante da Síndrome de Estocolmo.


Mas nem só de atuações se faz um filme, roteiro também é essencial. "Todo Dinheiro do Mundo" começa bem, mas seu segundo ato sofre de uma falta de acontecimentos após as várias negações de Getty em pagar o resgate de seu neto. Tanto é assim que o roteirista David Scarpa sentiu a necessidade de colocar uma virada na trama, envolvendo o núcleo dos sequestradores, que não avança em nada a narrativa. Já que falamos em núcleos, este filme tem três: o da mãe que tenta encontrar uma saída para pagar o resgate, o do avô em seu cotidiano de magnata e o do jovem Paul e seus sequestradores. A tensão deveria ser maior neste último, que paradoxalmente é o menos interessante dos três.

Já a direção eficiente de Ridley Scott é complementada pela direção de arte e figurino, que fazem uma reconstrução de época muito precisa. É um Ridley Scott que filma de forma bem naturalista em locações da Itália, sem arroubos imaginativos ou o egocentrismo de uma franquia, mas em total domínio da técnica (já que não é nenhum novato), com destaque para as (poucas) cenas de ação e as (muitas) de opulência e confronto verbal do velho Getty com quem quer que seja.


Considerando toda a polêmica em torno de sua produção, Scott fez um filme menor em tamanho, que se favorece de suas boas atuações e uma premissa interessante. Tematicamente, o longa ainda coloca em discussão o real valor do dinheiro e do poder, quando confrontado com os tormentos e as tragédias que cercam quem os possui em excesso. O diretor parece ter isso em mente quando focaliza uma mansão sem vida cheia de obras de arte encaixotadas, remetendo, na conclusão de seu filme, a um outro clássico, "Cidadão Kane", sobre outro homem que tudo perde embora tudo tenha.

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