
“Shame” é um filme frio e distante, com poucas cores e cenas quentes. Para um filme cujo protagonista é um homem viciado em sexo, tal afirmativa pode soar estranha, mas não o é por que tudo no filme, de sua direção de arte cinzenta às suas longas cenas sem corte, evoca e traduz a angustiante nulidade emocional de seu protagonista. Brandon tem uma vida que muitos homens invejariam: é muito bonito, elegante, bem dotado (atributo que nem o diretor nem o ator tem o mínimo pudor de colocar na tela), bem sucedido, além de ter um emprego de status e um apartamento tão clean & cool, que, não por acaso, é extremamente impessoal em sua funcionalidade. No entanto, essa aura respeitável e elegante é, como o espectador consegue perceber desde cedo, uma fachada para a sua obsessão por sexo, utilizando o próprio orgasmo como escape, como um fim em si mesmo, mas que sempre o deixa insatisfeito, à procura de uma nova “dose”. Masturbação, mulheres e até homens são meramente um canal para isso. Intrigante é o fato de que ele não se atormenta com essa patologia, parece conviver bem com ela, raramente deixando que interfira com sua imagem e rotina social. Esse cotidiano doentio, mas bem organizado, é abalado com a repentina chegada de sua irmã, que, tão perturbada quanto ele, lida com suas feridas emocionais de forma diametralmente oposta. Suas roupas coloridas, cabelos platinados e comportamento estridente contrastam enormemente com o apartamento asséptico, com o tom de voz controlado e as roupas impecavelmente cortadas e cinzas de seu irmão. Esse calor, tristeza e confusão estão mais expostos naquela que é certamente a cena mais bonita do filme, em que, em um longo take, talvez o único dominado pelo amarelo e dourado contrastando com o vermelho intenso do batom, Sissy (Carey Mulligan, ótima) nos presenteia com a mais inusitada e arrebatadora versão de “New York, New York” já feita. Nota-se, desde a primeira cena em que Sissy aparece, completamente nua, que aquela relação entre irmão e irmã não é a tradicional. Há um claro subtexto incestuoso, uma agressividade latente e uma incapacidade de lidar com o traumático passado em comum. O grande acerto do roteirista/diretor (que pode parecer frustrante para grande parte do público) é o fato de que ele nunca explica o que aconteceu para transformar aquelas pessoas de forma tão irrevogável. Temos somente um vislumbre disso quando Sissy diz: “We're not bad people. We just come from a bad place.”, o que pra mim já é mais que suficiente. Steve McQueen se mostra um diretor confiante por não acelerar o ritmo do filme ou contar com uma montagem não linear em parte do terceiro ato (o que mostra que ele aposta na inteligência de seu público). Competente tanto em seus takes longos e estáticos quanto na montagem mais acelerada de alguns momentos de crise, McQueen nunca parece perder o foco da história que quer contar, nem do personagem que procura expor aqui de forma quase fetichista. E quem pode culpá-lo quando o personagem em questão é interpretado pelo infalível Michael Fassbender? Infalível sim por que, mesmo em filmes que não proporcionam tudo o que prometem, como "The Counselor" e "Prometheus", Fassbender se sai incólume, sempre com uma performance nada menos do que espantosa. Ele é um ator que se entrega tanto e tão intensamente aos seus papéis que nos traz à memória nada menos que nomes como o de Marlon Brando. Aqui não é diferente e, se conseguimos ter o mínimo de preocupação e simpatia pela pessoa vergonhosa que Brandon é, isso se deve ao modo destituído de qualquer artifício com o que Fassbender o interpreta. Sinto pelas pessoas que foram ver esse filme no cinema em busca de excitação, pois o nome do filme não é SEX, mas SHAME, e é isso o que se vê na tela, mesmo nas cenas de sexo.