
No início do filme O Duplo (2012), de Juliana Rojas, pode-se ler um cartão, à moda daqueles da época dos filmes mudos, que informa os leitores do conceito de Doppelgänger (literalmente uma réplica que anda) e, ainda, do caso de uma professora chamada Emilie Sagée que, aos 32 anos, em 1845, foi demitida por que possuía uma duplicata sobrenatural que fora avistada, entre outras ocasiões, por 13 alunos em uma sala de aula. O caso, real ou não, é facilmente encontrável em diversos sites da internet, juntamente com uma suposta foto da professora infeliz e sua cópia maligna.

Tema bastante recorrente na literatura, em "O Duplo" (1846) de Dostoiévski e "O Homem Duplicado" (2002) de Saramago, a figura do doppelgänger é também familiar ao frequentador de cinema, tendo sido explorada em filmes como "Cisne Negro" (2011) de Darren Aronofsky e "O Homem Duplicado" (2013) de Dennis Villeneuve. A diretora-roteirista conta com esta familiaridade (e frequentemente a quebra) para contar uma história de suspense e horror psicológico que, se não ignora os clichês do gênero, os potencializa com uma edição enxuta, uma fotografia expressionista (mesmo que não seja em preto e branco) e uma narrativa que mais mostra do que diz.
O espectador, confiando no que dizem as palavras do cartão espera, então, um filme de época e tem logo a primeira quebra de expectativa ao perceber que a história é contemporânea e que a professora em questão se chama Silvia. A época e a personagem são diferentes, mas o destino de ambas será o mesmo, se assegura o já tenso espectador, que, contando com seu repertório de filmes do gênero, sabe que as maldições não conhecem barreiras geográficas ou temporais. Como foi dito: quebra e familiaridade.
A primeira imagem do filme, precedida ainda do ruído de giz na lousa, é a da professora desenhando, de costas para a classe e o público, dois círculos iguais com uma pequena intersecção. A imagem, como qualquer espectador mais atento pode notar, já é um dos muitos símbolos da natureza dupla da narrativa. O fato de a protagonista ser professora de matemática, aliás, dá margem a várias referências deste tipo, como o fato de os alunos estarem estudando frações (a divisão de um todo) ou operações básicas, como a divisão e a multiplicação (as duas únicas citadas pela professora).

Logo em seguida, se dá o fato que desencadeia todo o conflito da narrativa: um aluno chama a atenção dos demais para algo que pode ser visto pelas grandes janelas da sala de aula. A professora, sempre tensa, antes mesmo de se virar, parece já saber do que se trata, assim como o espectador, mesmo que nada, neste ponto, seja mostrado. Estabelece-se, portanto, o conflito entre a professora, que se mostra na defensiva, e o aluno, que sabe como provocá-la, e, mais importante, o conflito dela com ela mesma.

Outra dicotomia da narrativa, não explícita pelos diálogos, é a natureza opressiva da escola, ressaltada na fotografia pelo contraste entre a forte luz exterior, percebida pelas grandes janelas, e a sombra na qual estão, não obstante, mergulhados os personagens. A escuridão está sempre presente naquele ambiente, e o foco de luz sempre vem do lado de fora, o que sugere a liberdade do espaço fora da escola sufocante. A paleta menos saturada e livre de cores fortes ressalta esta atmosfera sombria.



Ninguém sofre mais com este sentimento esmagador de opressão do que a própria professora Silvia, interpretada por Sabrina Greve sempre como uma mulher à beira de um ataque de pânico. Ereta e contida, a professora, mesmo quando explicando a matéria ou fazendo a chamada, evita olhar os próprios alunos, demonstrando insegurança e nervosismo, comportamento pouco usual para uma professora de crianças. Mais uma vez, a duplicidade de seu comportamento é reiterada quando, completamente afastada do ambiente escolar, transa com seu namorado. Seu comportamento, então, muda drasticamente: no sexo ela é confiante e bastante agressiva, o que é ressaltado pelo fato de ela estar por cima, comandando o ritmo, pelo modo violento como ela arranha o peito e aperta o pescoço do parceiro e pelo fato de nunca vermos o rosto dele. Esta cena, inclusive, tem uma rima em outra no clímax da narrativa, como um reflexo distorcido.

O filme passa a ser percebido então como um jogo de espelhos e sombras, em que elementos vão sendo reiterados, como a sombra da personagem, que é destacada na parede do quarto e, logo em seguida, reproduzida no desenho que o aluno faz para desafiar a professora, retratando seu símile tenebroso. Neste ponto, o espectador chega a duvidar de sua existência até a bela cena na qual o duplo é finalmente revelado, em um plano que foi cuidadosamente construído para ser, horizontal e verticalmente, especular.



Mas não é só de contrastes visuais que a dualidade e a inquietude do filme são mostrados. O design de som é muito eficiente para esta revelação. Em uma reunião de professores, a tensão progressiva é construída pela repetição constante e obsessiva de um som do elástico de uma pasta sendo esticado e solto. Utilizando sons diegéticos e um trilha que não faz uso de sustos fáceis e que se furta de indicar o que o espectador deve sentir, a banda sonora do filme é um elemento essencial para que se sinta a angústia crescente com que os fatos vão se desenrolando.
Por ser um filme breve, mas muito eficiente em sua montagem e ritmo, seria temeroso discutir mais elementos da trama sob a pena de revelar demais. O que se pode afirmar é que, em uma última duplicidade, "O Duplo" é um filme que, com roteiro e direção ágeis, um elenco ótimo e uma combinação exata de fotografia e som, funciona de duas formas, não opostas, mas complementares: como um thriller assustador e uma reflexão sobre a cisão de consciência do ser humano no mundo contemporâneo.