
Antes de tudo, eu gosto de musicais. Muito. Já perdi a conta de quantas vezes vi “My Fair Lady” ou “Singing In The Rain”. Até de musicais mais modernos, como “Across The Universe” e “Moulin Rouge”, eu gosto bastante. “Os Miseráveis” poderia ser um musical tão bom quanto os clássicos ou tão inovador quanto os contemporâneos, não fosse a insistente fixação do seu diretor em querer sabotar o próprio filme (e chamar a atenção para si no processo). Há uma insistência irritante em colocar o(s) personagem(ns) no canto esquerdo ou direito da tela e deixar o resto dela preenchido pela parede! Isso é feito algumas vezes em “O Discurso do Rei”, mas neste aqui ele exagera: praticamente todos os personagens são enquadrados assim, pelo menos a cada 10 minutos de projeção. Eu perdi a conta. É irritante e tira você do filme. Se ele usasse pontualmente, para mostrar o “deslocamento” do personagem, tudo bem; mas a coisa é feita sem nenhum critério! É só pra dizer que tem um estilo, que enquadra o povo de uma certa maneira. Sem falar que ele não se sai melhor quando usa grandes angulares aleatoriamente, tentando dar um tom épico à narrativa. Mas o pior é que ele não sabe onde colocar a câmera! A sequência em que o personagem do casal trambiqueiro é apresentado poderia ser uma das mais divertidas e complexas (como a sequência do pai trambiqueiro da Audrey em “My Fair Lady”), mas o diretor não tem a mínima noção de coreografia e de como trabalhar com várias ações ao mesmo tempo, tentando compensar isso com cortes rápidos e escolhas e todos os tipos de posicionamento de câmera possíveis em um curto espaço de tempo. Não há o menor uso do cenário nem uso decente de coreografia por que, a cada dois segundos, ele corta. Isso fica patente nas cenas de batalhas e em qualquer outra em que ele não esteja fazendo um superclose nos personagens.
A impressão final é a de que ele valoriza bem mais o seu trabalho sofisticado (segundo ele mesmo e a Academia) de direção do que a história que ele está contando, por que se importa mais em chamar a atenção para si do que para a narrativa. Como este homem ganhou o Oscar de melhor diretor (vencendo o espetacular David Fincher) é um mistério inexplicável pra mim. Não que ele consiga eclipsar completamente o que o filme tem de bom: suas atuações e a história em si (Victor Hugo é Victor Hugo). Destaque para Hugh Jackman, que realmente me surpreendeu com sua interpretação despida de vaidade e cheia de emoção genuína. O melhor Jean Valjean que já vi (mais que o Depardieu por pouco e bem à frente do Liam Neesson). Já Russel Crowe constrói um Javert dividido e trágico como tem que ser, com aquela energia masculina e feroz de alguém guiado por uma obsessão moral. Nem o fato de ele não cantar bem prejudicou a atuação, na verdade melhorou. Sua cena final é uma das melhores do filme. Não faz feio ao lado de John Malkovich (ainda o melhor) e de Geoffrey Rush. Já a Anne Hathaway achei caricata, meio que implorando por um Oscar; passou um pouco do limite. Infelizmente Amanda Seifried e Eddie Redmayne não têm muito com o que trabalhar, o que já não acontece com a talentosíssima Samantha Banks (merecia uma indicação) e sua trágica Éponine, que emociona sem se entregar ao overacting e ainda é a voz mais bonita do filme. No mais, fiquei com muita vontade de ver a versão da Broadway e, em alguns anos, quem sabe um remake dirigido por alguém que tenha a mínima noção do que é um musical.